A água é um recurso natural
esgotável
Estudos sobre o
sistema hídrico mundial são unânimes em indicar que, se a média de consumo
global de água não diminuir no curto prazo, teremos problemas de escassez. O
Brasil, que tem uma parcela significativa de água doce, também está ameaçado.
Luís Souza (novaescola@atleitor.com.br). Ilustrações:
Rogério Fernandes
Você acorda de manhã, acende a luz,
toma um banho quente e prepara o café. Após se alimentar, limpa a boca com um
guardanapo e lava a louça. Vai ao banheiro, escova os dentes e está pronto para
dirigir até a escola para mais um dia de trabalho. Se parar para pensar, vai
ver que, para realizar todas essas atividades, foi preciso usar água. A energia
vinda das quedas dágua
(via hidrelétricas)
é que faz lâmpadas acenderem, chuveiros aquecerem e
geladeiras refrigerarem. E para produzir o guardanapo que você passou pela boca é necessária muita água. Sem esquecer que o combustível de seu carro
também contém
a substância.
Usando uma expressão que tem a ver com o tema, seria "chover no
molhado" dizer que a água é essencial para a nossa vida. Sem ela em
quantidade e qualidade adequadas, não é apenas o desenvolvimento
econômico-social e a nossa rotina que ficam comprometidos, mas também a nossa
própria sobrevivência. Só existimos porque há água na Terra. Por isso, a
disponibilidade desse recurso é uma das principais questões socioambientais do
mundo atual. De acordo com o relatório trienal divulgado em 2009 pela
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco),
em 2025, cerca de 3 bilhões de pessoas - mais da metade da população mundial -
sofrerão com a escassez de água. "Se a média de consumo global não
diminuir, o cotidiano da população pode ser afetado drasticamente, inclusive no
Brasil", diz José Galizia Tundisi, presidente do Instituto Internacional
de Ecologia de São Carlos e autor de livros sobre o tema (leia o artigo
na última página).
Para ficar por dentro do assunto, o primeiro passo é compreender que,
diferentemente do que ocorre com as florestas, a água é um recurso que tem
quantidade fixa. Em teoria, dá para reflorestar toda a área desmatada da
Amazônia, pois as árvores se reproduzem. Mas não é possível
"fabricar" mais água. Segundo O Atlas da Água, dos
especialistas norte-americanos Robin Clarke e Jannet King, a Terra dispõe de
aproximadamente 1,39 bilhão de quilômetros cúbicos de água, e essa quantidade
não vai mudar. Desse total, 97,2% dela está nos mares, é salgada e não pode ser
aproveitada para consumo humano. Restam 2,8% de água doce, dos quais mais de
dois terços ficam em geleiras, o que inviabiliza seu uso. No fim das contas,
menos de 0,4% da água existente na Terra está disponível para atender às nossas
necessidades. E a demanda não para de crescer.
A escassez hídrica na África é um
problema econômico
Robin Clarke e Jannet King fazem um
alerta: "Não se engane: o abastecimento de água no mundo está em crise, e
as coisas vêm piorando". A crise a que eles se referem pode ser de três
tipos. Há escassez física quando os recursos hídricos não conseguem atender à
demanda da população, o que ocorre em regiões áridas, como Kuwait, Emirados
Arábes e Israel, ou em ilhas como as Bahamas. E existe a escassez econômica que
assola, por exemplo, o Nordeste brasileiro e o continente africano. Há ainda
regiões ou países que vivem sob o risco de crises de abastecimento e de
qualidade das águas pelo uso exagerado do recurso. Austrália, Espanha,
Inglaterra, Estados Unidos e Japão sofrem com isso. "A recomendação da
Organização das Nações Unidas (ONU) é que o consumo médio seja de 50 litros
diários por habitante. Há países em que esse índice não passa de 5 litros. Já
nas regiões mais desenvolvidas, uma pessoa usa em média 400 litros por
dia", diz Tundisi.
A crise pode ser explicada por vários motivos: desmatamento, ocupação de bacias
hidrográficas, poluição de rios, represas e lagos, crescimento populacional,
urbanização acelerada e o uso intensivo das águas superficiais e subterrâneas
na agricultura e na indústria. "Especialmente
nos últimos 100 anos, o impacto da exploração humana dos recursos hídricos
aumentou muito e trouxe consequências desastrosas", comenta Tundisi. De
fato, segundo a Unesco, de 1900 a 2025, o total anual de consumo de água no
mundo terá aumentado quase dez vezes.
O Brasil tem um bom volume de água,
mas usa mal o recurso
FIM DO DESPERDÍCIO Não poluir os
rios é mais inteligente e viável economicamente do que limpar
suas águas. E o consumo tem de diminuir: a ONU recomenda o uso diário
de 50 litros por habitante, mas há regiões em que a média é de
400 litros.Foto: Antonio Milena/Getty Images
O Brasil detém entre 12 e 16% da água
doce da superfície terrestre. O país possui bons índices de chuva, o Amazonas é
o rio de maior volume e nosso território ainda abriga o aquífero Guarani, o
maior do mundo. Um aquífero é um reservatório subterrâneo, aonde a água das
chuvas chega por infiltrações no solo arenoso. O Guarani se estende por 1,2
milhão de quilômetros quadrados e abrange oito estados brasileiros, além de
áreas da Argentina, do Paraguai e do Uruguai. Essa água toda pode ser aproveitada
com a construção de poços artesianos, o que já ocorre em vários locais. Se há
recursos, por que os especialistas alertam que a situação é preocupante?
"Essa abundância deve ser vista com reserva, pois a distribuição é
irregular", diz Pedro Jacobi, da Faculdade de Educação da Universidade de
São Paulo (USP) e Coordenador do Projeto Alfa, da Comunidade Europeia sobre
Governança da Água na América Latina e Europa.
"No Brasil, há muito desperdício, a distribuição não combina com as
necessidades da população e a poluição é um grande problema", resume
Tundisi. "A bacia do Tietê, por exemplo, está interligada com a bacia do
Prata e a poluição do rio Tietê já chegou até lá. O país tem de se preparar
para uma mudança na maneira com que lida com a água. Em vez de despoluir, é
necessário pensar em não poluir. Isso é mais viável até economicamente, pois o
rio saudável rende dividendos, além de a despoluição custar caro", diz
Tundisi. A poluição das águas nacionais ainda é agravada pela falta de saneamento
básico, que faz com que mais de 20% dos lares brasileiros lancem seu esgoto em
córregos, rios e represas. Além disso, o desperdício não ocorre apenas pelo
consumo da população. Calcula-se que mais de 30% da água encanada no Brasil
seja perdida em vazamentos.
As soluções são conhecidas, mas não
representam um consenso
NOVOS CAMINHOS A crise
de abastecimento de água é real e estápiorando. Um dos caminhos
para alcançar a sustentabilidade do recurso é a gestão integrada e
o estímulo da reciclagem, com oaproveitamento da chuva e o
controle da irrigação nas atividades agrícolas. Foto: Ryan
McVay/Getty Images
No livro Colapso: Como as
Sociedades Escolhem o Fracasso ou o Sucesso, o norte-americano Jared
Diamond examina por que algumas civilizações deram certo e outras sucumbiram ao
longo da história. Para ele, o uso da água e o superaquecimento global são
questões que, caso não sejam solucionadas, podem destruir a nossa civilização.
Com o foco nessa questão, a ONU criou a Década da Água (que vai de 2005 a 2015).
Nesse período, deve haver uma concentração de esforços em reverter o quadro de
deterioração do recurso no planeta. O fato é que já se diagnosticaram as causas
do problema e as soluções são conhecidas, mas não há um consenso sobre como
implementá-las.
Pedro Jacobi lista medidas que poderiam ser tomadas, como a fiscalização da
exploração dos aquíferos, leis severas contra a poluição, reciclagem e
aproveitamento de águas da chuva e controle do recurso usado na agricultura.
Além disso, ele prega uma gestão de recursos hídricos participativa, integrada
e descentralizada: "Temos de encontrar tempo para refletir e participar do
debate sobre o fato de que até hoje a humanidade tem sido predatória e não pode
mais ser assim, pois os recursos são finitos".
Problema de gestão
Sergio Lima/Folha Imagem/Folha Press
José Galizia Tundisi
Presidente do Instituto Internacional de Ecologia e professor titular da
Universidade Feevale
A situação hídrica no Brasil envolve
problemas de quantidade e de qualidade. Todos os sistemas de águas
continentais, tanto os de superfície como os aquíferos subterrâneos, têm
sofrido pressão permanente pelos usos múltiplos, pela exploração excessiva e
pelo acúmulo de impactos de várias magnitudes e origens. Em vista disso, nesta
década, o Brasil precisa lidar com desafios específicos no que diz respeito ao
gerenciamento desse recurso.
Apesar de o Brasil possuir entre 12 e 16% da água doce da superfície do
planeta, o país sofre com a distribuição irregular, a poluição e o desperdício.
É fundamental a introdução de novos paradigmas, como a gestão integrada, a
otimização de usos múltiplos e o aproveitamento integral, incluindo a
reutilização, o tratamento adequado e a baixo custo e a economia de água.
Um dos principais desafios é melhorar a qualidade da água na zona rural, que é
bem inferior à da urbana. Os problemas apresentados no campo se devem
principalmente ao saneamento básico, ainda precário, além da contaminação por
transmissores de doenças tropicais. Nessas questões, há exemplos a ser
seguidos. Os países desenvolvidos tratam esgoto, cuidam dos mananciais e
procuraram antecipadamente desenvolver tecnologia e programas de controle. Já
nas nações subdesenvolvidas, houve um retardo: apenas para exemplificar, nos
Estados Unidos, o esgoto tratado fica próximo a 100%, enquanto na América
Latina não passa de 30%.
Outro desafio importante é reduzir o recurso utilizado na agropecuária de
produtos de exportação, como soja, café, laranja e carne. Com esse consumo
excessivo, estamos, no fim das contas, exportando também esse precioso bem. Há
ainda questões como garantir à população das periferias das grandes cidades o
acesso à água potável e de boa qualidade. Nos grandes centros urbanos, os rios
e as represas estão poluídos, e já há casos de estresse hídrico em áreas
notadamente populosas.
Com tudo isso, uma coisa fica clara: chegou a hora de o país se preparar para
uma mudança na maneira como lida com a água, adotando uma visão mais ampla
sobre esse recurso, que inclui valores estéticos e culturais. Faz-se necessário
um conjunto de alterações conceituais na gestão, como o desenvolvimento de
programas de integração de sistemas e criação de comitês de estudo. Mais do que
nunca, é preciso pensar a gestão unificada em nível nacional, que aborde a recreação,
o turismo e a navegação. Enfim, o conjunto de usos múltiplos da água.
Quer saber mais?
CONTATOS
José Galizia Tundisi
Maria Teresinha Figueiredo
Pedro Jacobi
BIBLIOGRAFIA
Água no Século XXI - Enfrentando a Escassez, José Galizia Tundisi, 256 págs., Ed. Rima, tel. (16) 3411-1729,
54 reais
Colapso: Como as Sociedades Escolhem o Fracasso ou o Sucesso, Jared Diamond, 686 págs., Ed. Record, tel. (11) 3286-0802, 70 reais
O Atlas da Água, Robin Clarke e Jannet King, 128 págs., Ed. Publifolha, tel. 0800-140-090, 40 reais
José Galizia Tundisi
Maria Teresinha Figueiredo
Pedro Jacobi
BIBLIOGRAFIA
Água no Século XXI - Enfrentando a Escassez, José Galizia Tundisi, 256 págs., Ed. Rima, tel. (16) 3411-1729,
54 reais
Colapso: Como as Sociedades Escolhem o Fracasso ou o Sucesso, Jared Diamond, 686 págs., Ed. Record, tel. (11) 3286-0802, 70 reais
O Atlas da Água, Robin Clarke e Jannet King, 128 págs., Ed. Publifolha, tel. 0800-140-090, 40 reais
http://revistaescola.abril.com.br/ciencias/fundamentos/se-nao-cuidar-agua-ela-pode-acabar-potavel-recursos-naturais-586631.shtml?page=3
acesso 08/06/2012
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